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6 de mar. de 2017

Paixão pelo futebol e a primeira vez no Morumbi

A vida passa rapidamente  nesta cidade, cresci junto com ela, um tanto  desordenada, no entanto, cheia de novas descobertas e paixões.

Uma das primeiras paixões  que descobri foi o futebol, desde menininha ouvia meu pai contar histórias de seu tempo de solteiro, do time da empresa onde trabalhava e jogava, das encrencas  e brigas que arrumavam nestes eventos, onde os jogadores iam na carroceria de caminhão até o campo do adversário. Acho que a rivalidade passional no futebol sempre existiu.

Já casado e com seus 2 filhos, jogou e dirigiu  o Anchieta Futebol Clube, time de várzea de Vila Liviero, onde morávamos.  Domingo era assim na periferia,  dia de futebol, alegria, dos almoços caprichados  e também dos sacos cheios de uniformes sujos de poeira ou barro que minha avó e mãe lavavam e reclamavam. Hoje fico me perguntando se elas ganhavam para tarefa tão árdua.

Nestes tempos não me interessava realmente pelo esporte, achava estranho aquele jogo só de homens correndo atrás da pelota, mas fazia parte da vida de meu pai e eu observava esse gosto com carinho,  sempre atenta aos causos que ele contava.

Em 1974, já com 12 anos, apaixonei-me pelo Palmeiras apesar de meu pai ser São-paulino. Ainda não era comum mulheres em estádios de futebol, nem mesmo meninas jogavam futebol, mas mesmo assim tive o sonho de ser goleira do meu time, treinava bastante para isso, queria ser como o arqueiro Leão, um de meus ídolos na época, junto com Ademir da Guia.

Lia tudo sobre futebol: A Gazeta Esportiva, o Almanaque do Zé Carioca para aprender as regras do jogo, dormia com o radinho de pilhas ouvindo programas esportivos nas rádios AM, aprendi tudo sobre o esporte e agora entendia porque ele era uma paixão, meu coração acelerava de emoção, tudo fazia sentido!

Nunca esquecerei minha primeira ida a um estádio de futebol, foi em um clássico Palmeiras x São Paulo, no Morumbi, o velho estádio Cícero Pompeu de Toledo. Perturbei muito meu pai para convencê-lo a me levar pois aquilo não era coisa de meninas. Enfim chegou o grande dia, era um domingo, pegamos o ônibus até o centro da cidade, caminhamos até o Vale do Anhangabaú onde filas imensas de ônibus esperavam a multidão de torcedores para os levarem até perto do estádio, o resto do caminho era feito à pé.

Descemos  depois de uma bagunça saudável dentro do ônibus, sem sinal de violência ou palavrões, esses eram guardados para o juiz e bandeirinhas. 

A multidão ia descendo a avenida larga que não me recordo o nome...Meu coração que já batia forte acelerou ao ver o estádio enorme lá embaixo, crescendo cada vez mais a cada passada. Sentia-me como uma ave em um bando a cruzar os céus para chegar ao seu destino, livre e juntas.

Meu pai, como muitos torcedores levavam rádios à pilha e não me esqueço que enquanto estávamos caminhando em direção aos portões de entrada, no rádio ouvíamos o locutor Fiori Gigliotti, que apresentava o programa Cantinho da Saudade, a musica ao fundo era, se não me engano, Bailarina Solitária...Até hoje essa música me remete àquele pequeno trajeto cheio de emoções no coração de uma menina de 13 ou 14 anos de idade, que veria pela primeira vez seu time jogar.

E a emoção  continuou lá dentro, o medo do balanço do estádio que vibrava com os pulos da torcida na hora do gol. Água, cachorro quente, picolé de limão e amendoim com casca eram as únicas opções, embora minha mãe havia preparado um lanchinho tipo piquenique para nós...Coisa de mãe e que na época me causou vergonha na hora da revista à entrada, mas na hora que a fome apertou foi um banquete.

Vi meu Palmeiras vencer por  2x1 o glorioso São Paulo do meu pai que ficou muito bravo quando eu o abraçava de alegria na hora dos gols do meu verdão. Neste dia tive o privilégio de ver duas feras em campo, Ademir da Guia e Pedro Rocha, eles não rolavam a bola, eles bailavam com ela pelo gramado verdinho rumo ao ataque, como namorados nos bailes de outrora conduziam as damas. Sublime. 

E veio o apito final, a comemoração dos vencedores na casa do rival e a vontade de ficar ali, eternizar aquela sensação enorme de alegria. Realizara meu sonho.

Calmamente fomos deixando as arquibancadas para trás, a fumaça e cheiro de churrasco das barraquinhas nos perseguindo..Ao som dos passos apressados fizemos o caminho de volta pela cidade semi adormecida, cada um rumo ao seu destino, amanhã  cedinho seria mais um dia de trabalho na cidade.

Naquela noite nem dormi direito, que domingo feliz, cada detalhe se repetia em minha mente insistentemente.
Guardei para sempre em minha memória aqueles momentos junto ao meu pai que já se foi, com ternura e sinceridade no meu cantinho da saudade, como dizia o saudoso Fiori Giglioti.



 Dalva Rodrigues

A idade vai chegando e sinto a necessidade de rebuscar lá no passado as lembranças já nebulosas, algumas já perdidas. Perguntei à minha mãe sobre os uniformes do time que ela e minha vó lavavam, mas ela não se lembra muito bem, lembrou que eles eram feitos de sacos de farinha tingidos e costurados, era muita dedicação ou quem sabe, na época, obrigação.
É muito estranho a sensação de que o nosso passado vai desaparecendo com a morte de cada um daqueles que amamos, que compartilhamos momentos, a vida...
Cada momento possível deve ser explorado ao máximo antes que as lembranças se percam inexoravelmente diante da morte de quem compartilhamos a vida. 
Relembremos nossos causos e dos antepassados, com nossos pais, filhos, afetos...A vida passa muito rápido, nem sempre ela é longa, mas ela passará, para todos.