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18 de jun. de 2016

Ainda Alice

Recentemente assisti o filme Para Sempre Alice, com uma atuação perfeita de Julianne Moore que lhe rendeu o primeiro Oscar, sem contar outros prêmios e indicações. O filme é baseado no livro (não li) Still Alice - Lisa Genova. Gosto mais do nome original, é mais profundo dentro da densidade a que ele nos remete.
Sinopse  do filme.

O tema do filme é Alzheimer, uma professora bem sucedida de linguística, ironicamente se vê  afetada precocemente pela doença.
Still Alice

De todos os males que a velhice pode trazer, este é o que mais me assusta. Não tenho medo da morte, mas temo a morte em vida, estar presente e no entanto aos poucos ausentar-me, caminhando para o nada...vazio silencioso de tudo que fui,  perdendo-me nas ocorrências invisíveis de um cérebro doente.

Essa doença é muito cruel no começo para o portador e mais tarde para o cuidador, que de certa forma também acaba tendo que deixar sua vida de lado para cuidar de um passado sem perspectiva de futuro. A sociedade é muito crítica com quem pode delegar para terceiros o cuidado, julgando como falta de afeto, responsabilidade e moral. Ah se pudéssemos compreender a dor do outro, todos seriam mais felizes...

Particularmente, falo como mãe, se um dia estiver nesta situação, sem controle, a última coisa que não gostaria de ver, seria meu filho deixando de viver por mim nesta situação vegetativa. Para mim seria como deixar um legado egoísta demais, uma espécie de chantagem emocional sem direito a questionamentos.
O amor é o que levamos do outro dentro de nós, isso é o que vive e é forte.
 
O envelhecer traz dúvidas da normalidade de sintomas, será da idade ou não? Os esquecimentos, a dificuldade em reter na memória coisas banais que antes fazia automaticamente como saber a data das contas, se foi paga ou não, o que precisa trazer do mercado, se tomou o remédio, o nome de filmes, os enredos dos livros, o cálculo básico de matemática no cotidiano, a inspiração perfeita e repentina não retida etc.

Dizem que é bom exercitar o cérebro, mas as vezes acho que o excesso é que pode ser o grande vilão,   o cérebro acaba tendo que ser seletivo para registrar tanta informação que temos atualmente. Pelo sim, pelo não, continuo jogando Candy Crush e montando quebra-cabeças para exercitar a memória tentando fazer as coisas mais devagar, menos automaticamente  e prestando mais atenção, respeitando os novos limites do corpo perante a decadência inevitável de todo ser vivo.

O futuro sempre será uma incógnita, mesmo quando cada passo é pensado e repensado antes do agir.


Abaixo, poema que escrevi inspirado no filme e nos meus temores.

Ainda Alice

Quando não lembrar da menina que fui
Das brincadeiras de rua
Dos "voos" de bicicleta
Do balanço no limoeiro
Das canções com o pai
Dos bolos da vó
Da admiração pela mãe
Do carinho da madrinha.

Quando não lembrar dos amigos

Das aventuras
Confidências
Risadas.

Quando não lembrar dos amores inocentes da mocidade
Beijos e abraços
Mãos dadas
Carícias trocadas
Desejo. 

Quando não lembrar dos passeios
Dos parques
Dos circos
Quermesses
Cinemas
Exposições.

Quando não lembrar o nascimento do filho
Da surpresa
Da emoção
Do primeiro olhar
Do cuidar.

Quando não  lembrar do meu cão
Brincadeiras
Passeios
Sua alegria a me receber no portão.
 
Quando não  lembrar dos aprendizados
Dos livros
Dos filmes
Reflexões 
Poesia
Pessoas.

Quando não lembrar para que serve um pincel
Tintas e suas cores
O azul do céu
A beleza das flores
A bela inspiração.

Quando não lembrar os caminhos
As ruas
As placas
As letras
Os números
Os óculos
A entrada
A saída
O farol
A faixa
Os carros.

Quando não lembrar a casa
O banheiro
A escada
A água
O fogo
O medo.

Quando o espelho refletir névoas
Nada restará.
Caráter
Coerência
Sucesso
Fracasso
Sabedoria
Experiência 
Ego
Afeto.

Dizem que restam as memórias
Mas quando elas não mais existirem
O que restará?
E se nem sonhos existirem?
E se existirem,
Lembrarei por segundos
Das memórias camufladas 
Embaralhadas no sono profundo?

Restam dúvidas?
O Ser ou Não Ser...
E se os ponteiros do relógio
Forem mais velozes que o gatilho
Roubando a escolha do última ato de lucidez?

Ainda estarei aqui
Quando me perder de mim?
Estarei e não serei. 
Ainda Alice
Talvez.
Não sofra por mim.

Dalva Rodrigues
18-06-2016


Obrigada pela leitura!
Pessoas queridas que passam aqui para deixar seu carinho, dia 25-06, sábado, às 10:30h vai ser apresentado na rádio CBN de São Paulo (90,5 FM), o áudio sonorizado da crônica que enviei para o quadro Minha história de São Paulo. É uma versão mais curtinha do que a que postei aqui (Meus amores em São Paulo), mas vou curtir muito, espero que se puderem ouçam.
Beijos!



 
















E se eu
Estar e não Ser. Ainda Alice.