Páginas

9 de fev. de 2014

Sobre porões e céus


Eram tempos de morte...
Ao toque da sirene todos se apressam em busca do abrigo  escuro que os receberiam, o porão abraçava-os como se tivesse os braços da morte convidando-os para o leito potencialmente fúnebre àqueles que  ainda ansiavam por viver.
Silencio mortal, apenas respirações...

Quanto tempo se passará até o alívio da sirene quebrar o silêncio mortal? Haverá vida ou será o fim eterno sem tempo sequer para despedidas? Talvez a despedida esteja nos olhares cansados  trocados no vácuo do porão.

Do silêncio brotou a voz de menina.
Seus lábios timidamente começam a narrar a história de um menino cujo sonho era crescer, enamorar-se, dançar as valsas mais belas olhando nos olhos da amada e um dia morrer velho, cansado, mas de viver.
A voz juvenil e doce embala a espera interminável dentro da escuridão,  refrigério para  aquelas almas presas no porão.

Lá fora o jovem que um dia fora menino sonhador fazia o caminho inverso. A noite fria de céu salpicado com estrelas o observava esgueirar-se de seu porão solitário, refúgio de vidas minadas.
A sirene era seu momento de liberdade, de encarar a morte percorrendo passos temerosos na calçada cinzenta.
Estaria vivo e feliz se nenhuma alma o visse. Timidamente deixou o penumbra, sentiu a beleza da luz noturna que iluminava a rua adormecida e seu desejo de viver.
Como era lindo aquele céu.


Poderia fundir sua alma nele, fechar os olhos, assim ouvir as estrelas o chamando, chamando...Era a voz da amada vindo do passado abandonado o convidando para bailar  entre elas, tendo como testemunha apenas a lua prateada.

Poderia  fechar o olhos, entregar-se à dama vestida de estrelas... à noite fria...Deixar-se morrer feliz na calçada fria, pôr um fim na angústia de sobreviver em tempos de guerra.
Relutou a tanta beleza, ouviu lá dentro de sua alma a voz da menina a chamá-lo.
Sorriu para as estrelas, não fechou os olhos.
Voltou para o refúgio no porão.

A sirene tocou, naquele dia ainda não se viram cinzas. 


Dalva Rodrigues


Fiz  esta crônica inspirada em algumas cenas do filme "A Menina que Roubava Livros".  Ainda não li o livro, mas recomendo o filme, emocionante!
A menina que roubava livros